Folha de S.Paulo
Alta no preço e falta de insumos já comprometem produção de veículos no Brasil
A alta no preço dos insumos e a falta de componentes nacionais e importados, fatores que se refletem nos preços dos veículos, já influenciam também os setores de pós-venda e de seguros.
Donos de oficina, revendedores de autopeças e representantes de associações ligadas à indústria falam em aumentos seguidos e escassez de componentes para reposição.
O problema atingiu um outro patamar nesta semana: a General Motors confirmou a parada da produção em Gravataí (RS) entre os 1º e 20 de março devido à falta de peças, principalmente semicondutores. É um efeito do avanço tecnológico dos carros, que cada vez mais precisam de componentes eletrônicos para acionar seus diversos sensores, por exemplo.
Os funcionários da fábrica que produz o Chevrolet Onix, carro mais vendido do país, entrarão em férias coletivas. Além dos atrasos na distribuição de carros Brasil afora, a parada aumenta o risco de falta de peças para reposição.
Antonio Carlos Fiola, presidente do Sindirepa (sindicato dos reparadores), diz que as oficinas têm sofrido dois impactos. O primeiro é a escassez de componentes, principalmente na parte de latarias (portas, capô e para-lamas, por exemplo). A segunda onda é a alta dos preços.
“Houve reajustes preocupantes, algumas peças tiveram aumento superior a 20%”, afirma Fiola.
A desvalorização do real e a alta do aço são os fatores que mais têm impactado o setor de reposição. Segundo a Anfir (Associação Nacional dos Fabricantes de implementos Rodoviários), o insumo acumulou elevação de 86% ao longo de 2020.
De acordo com Marco Polo de Mello Lopes, presidente-utivo do Instituto Aço Brasil, os reajustes estão relacionados ao boom das commodities.
As matérias-primas para produção do aço tiveram uma sequência de altas em 2020, como ferro-gusa, zinco e minério de ferro. Os valores subiam dia após dia nas bolsas internacionais, e o reflexo na indústria começa a ser sentido agora.
“O setor automotivo tem uma condição peculiar, que são os contratos anuais. As montadoras passaram 2020 sem ter pressão de preço”, diz o utivo.
Mas chegou o momento de renegociar os contratos, e as fabricantes de veículos, devido à enorme demanda, compram aço diretamente das siderúrgicas. É a tempestade perfeita: as empresas, que já têm problemas com o fornecimento de componentes importados cotados em dólar e euro, não encontram alternativas para reduzir os custos dos insumos –que seguem cotações globais, como o próprio aço e a borracha.
Lopes diz que empresas menores, que compram insumos de distribuidores, podem ter problemas pontuais de fornecimento. Isso não significa, no entanto, que haja problemas na produção nacional de insumos, mas, sim, uma explosão da demanda.
“Estimamos que houve um aumento de pelo menos 40% a 50% no preço do aço no mercado global. Devido a isso, temos tido muitos problemas de fornecimento e preço, uma vez que este insumo é responsável por grande parte do custo do produto acabado, em torno de 60%”, diz Moacir Godinho, gerente de Suprimentos da Takao, que fornece componentes internos para motores.
A empresa teve que renegociar contratos e viu o custo das peças aumentar pelo menos 30%.
As falhas de fornecimento estão relacionadas à própria dinâmica do setor. Se as montadoras aumentam o volume de pedidos feitos diretamente às siderúrgicas, há o risco de os distribuidores receberem menos material, o que resulta em dificuldades aos fabricantes de peças de reposição. E muitas dessas empresas fornecem componentes manufaturados para as montadoras. O ciclo, portanto, não se fecha.
Lopes lembra que os setores ligados a diferentes áreas da indústria do aço –sinterizações, altos fornos, aciarias e laminações– ajustaram a produção à demanda em abril, mês em que foi registrado o maior tombo da história na cadeia automotiva. Então veio a recuperação rápida a partir de junho, com a retomada dos pedidos.
De acordo com dados do instituto, a produção está sendo voltada para o mercado nacional. As vendas internas de aço bruto cresceram 2,4% em 2020 na comparação com 2019, enquanto as exportações caíram 16,1% no mesmo período. O setor segue acelerado, com seguidos recordes.
Essa recuperação em “V” Pode se transformar em um “M” no setor automotivo, com uma depressão no meio dos picos de venda. Essa é a visão de Matías Fernández Barrio, diretor-utivo da Karvi, plataforma global de venda de carros novos e usados.
O movimento apontado por Barrio se deve justamente às dificuldades nas linhas de montagem– não é apenas a General Motors que está interrompendo a produção por falta de insumos.
Paradas pontuais têm sido registradas por outras montadoras. O resultado aparece nas vendas de fevereiro. Números registrados até esta quarta (24) indicam queda de 13% na comparação com o mesmo mês de 2020. O dado inclui veículos leves e pesados e se baseia no Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores).
Rafael Constantinou, diretor de marketing do portal Webmotors, do banco Santander, diz que as buscas por carros têm batido recorde neste ano, o que mostra o interesse do consumidor. Mas, ao mesmo tempo, o volume de veículos anunciados está 40% menor do que o normal para o site. Ou seja, há aumento de demanda, mas o mercado de novos e usados não consegue acompanhar.
Isso ocorre apesar da alta de preços. Segundo a KBB Brasil, empresa especializada na precificação de carros, os valores dos 13 veículos zero-quilômetro mais vendidos de 2020 tiveram um aumento médio de 9,4% na comparação entre os meses de janeiro e dezembro do ano passado.
Problemas de fornecimento também afetam empresas que cresceram em meio à crise, como a Iveco, que produz veículos comerciais e caminhões. A montadora teve alta de 30% nas vendas em 2020 na comparação com 2019 e abriu novas concessionárias. Em paralelo a isso, teve de buscar soluções para trazer componentes para o Brasil.
A empresa foi a primeira a voltar a produzir em seu segmento após o período de fechamento das fábricas. As linhas foram reativadas no dia 22 de abril, apesar dos problemas de logística.
Segundo Márcio Querichelli, líder da Iveco para a América do Sul, foi necessário gastar mais com transporte aéreo para trazer peças que deveriam vir de navio.
Para o futuro, o utivo se preocupa com a falta de previsibilidade. “Estamos tendo surpresas no campo político todos os dias. Consigo ter uma visibilidade do que acontece hoje, mas o que vai acontecer daqui a duas semanas ou quatro meses, não sabemos.”
Para o consumidor final, além do aumento de preços de carros e peças, há o impacto na hora de utilizar o seguro do automóvel.
“Considerando o aço como principal matéria-prima para a fabricação de itens como capô, para-lama, porta, lateral, tampa traseira etc., o setor de seguros é altamente impactado, pois essas peças são necessárias, com alta frequência, no conserto de veículos que se envolveram em um sinistro”, diz Frank Ohi, diretor de Sinistros da HDI Seguros.
De acordo com Ohi, a indisponibilidade de peças de reposição tem sido um grande desafio, com aumento do tempo médio de entrega dos componentes nas oficinas. A HDI tenta contornar o problema por meio de compra direta de peças em concessionários e distribuidores.
Para Paulo Cardomone, sócio da Bright Consulting, todos esses problemas devem perdurar pelos próximos meses, com melhora no segundo semestre. Mas alguns fatores não devem mudar, e um deles é a redução dos estoques de veículos.
“Os estoques das montadoras nunca foram tão baixos quanto agora, e não deverão voltar a atender 40 dias de vendas como antes. As empresas aprenderam a trabalhar melhor a logística”.
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