Pandemia e seguro de pessoas

Estadão l Antonio Penteado

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Todas as apólices de seguros têm cláusulas basilares para a dimensão da sua abrangência. As mais relevantes são as que definem o risco coberto e o objeto do seguro e as que listam os riscos excluídos e os bens não cobertos.

Nenhum seguro cobre todas as situações capazes de causar prejuízo. Todavia, é indispensável que as garantias, as coberturas e as exclusões constem expressamente das apólices. O contrato não permite “achismos” ou interpretações sobre conceitos vagos e boas intenções.

No Brasil, inclusive, o contrato de seguro deve ser escrito, se chamar apólice ou bilhete e qualquer alteração, complementação ou aditivo deve ser feita através de documento hábil, previsto na normatização (endosso, aditivo, conhecimento, nota de seguro etc) e que, emitido, passa a fazer parte integrante do contrato.

A razão da limitação das garantias tem como base o dimensionamento e a precificação do contrato. O seguro se baseia no mutualismo. Assim, para que possa haver a correta aceitação dos riscos, os princípios utilizados devem ser semelhantes e paritários para todos os segurados. Afinal, se o segurado não contribuir proporcionalmente ao seu risco para a composição do mútuo, estaremos, operacionalmente, diante de dois pesos e duas medidas, o que inviabilizaria o negócio pelo desequilíbrio econômico/financeiro e pela quebra da boa-fé.

As exclusões, seja na cláusula de riscos excluídos, seja na dos bens não cobertos, têm como objetivo proteger a integridade do mútuo e o bom funcionamento da seguradora. Existem riscos que ultrapassam a capacidade da seguradora de fazer frente aos sinistros e existem riscos que, pelo valor ou pela frequência, oneram demasiadamente o mútuo. Aceitos, eles poderiam quebrar a companhia de seguros.

É por isso que nos riscos excluídos há sempre um rol que se mantém inalterado, tanto faz o ramo de seguro. Entre eles, merecem destaque guerras, revoluções, atos de terrorismo, radiações de uso pacífico ou não, artefatos nucleares e, matéria que nos interessa diretamente, pandemias e epidemias.

A razão dessas exclusões é que os valores envolvidos podem atingir patamares que ultrapassam a capacidade da seguradora de fazer frente a uma série de sinistros concomitantes, causados pela ocorrência de um evento. Não é por outra razão que o patrimônio existente em algumas regiões não é segurável. O seguro poderia, tecnicamente, ser contratado, mas os riscos de, por exemplo, furacão ou terremoto, pela sua concentração, excederiam a capacidade do pagamento das indenizações.

Em princípio, principalmente nas apólices de seguros de pessoas, os eventos decorrentes da pandemia do coronavírus seriam riscos excluídos. E a razão é exatamente a possibilidade do excesso de danos ou a impossibilidade da quantificação prévia dos sinistros, o que deixaria as seguradoras com uma responsabilidade ilimitada, impossível de ser tecnicamente aceita.

Pelas características dramáticas da pandemia do coronavírus, as seguradoras e operadoras de planos de saúde privados brasileiras – aliás, como aconteceu em outras partes do mundo – decidiram desconsiderar a exclusão para pandemia e epidemia e aceitar a cobertura dos casos de covid19.

Ainda que estes sinistros não estivessem precificados nas apólices em vigor, ao longo de 2020, quando o número de casos e de mortes ainda estava em patamares mais ou menos razoáveis, a conta foi suportável. Todavia, ao se aproximar de quinhentos mil mortos e mais de quinze milhões de casos confirmados de covid19, o cenário muda radicalmente e a conta começa a ficar insuportável.

Exemplificando de forma conservadora: se dos quinhentos mil mortos, 20% tivessem seguro de vida e o capital médio das apólices fosse de R$ 50 mil, as indenizações a serem pagas atingiriam R$ 5 bilhões. Diante deste quadro, existem apenas duas soluções: as novas apólices oferecerem cobertura para pandemias, mediante o pagamento de um prêmio extra, ou a reintrodução da exclusão de cobertura.

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