O Globo
Segmento não tem regulação e desde 2015 já existem 353 ações civis públicas sobre o tema
Dezesseis entidades do setor de seguros, encabeçadas pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), promovem uma campanha de alerta sobre os riscos da proteção veicular. Vendida por associações como se fosse seguro, a proteção veicular é mais barata do que o serviço tradicional, mas não oferece as mesmas garantias.
Site (www.seguroautosim.com.br), vídeos e cartilha — com um comparativo entre o seguro de automóveis e a proteção veicular — fazem parte do material desenvolvido pelo setor para alertar os brasileiros sobre as diferenças entre os dois produtos.
Considerado um mercado paralelo, por não ter regulação, o segmento acumula, desde 2015, 353 ações civis públicas movidas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão responsável pelo controle e fiscalização do mercado de seguros, em parceria com o Ministério Público Federal (MPF).
Segundo a Agência de Autorregulamentação das Entidades de Autogestão de Planos de Proteção Contra Riscos Patrimoniais (AAAPV), há 2.500 sociedades mútuas no país, que movimentaram R$ 7,2 bilhões em 2020, com cobertura para cerca de 5,3 milhões de veículos.
Durante a pandemia, segundo a Associação Brasileira de Procons (Procons Brasil), aumentaram as reclamações contra a proteção veicular.
— Acho que o aumento das queixas está diretamente relacionado à perda de renda das famílias e à busca de alternativas mais baratas. Quando os problemas acontecem, no entanto, há resistência das associações em cumprir o que determina o Código de Defesa do Consumidor, sendo difícil firmar acordos. E, quando eles acontecem, nem sempre são horados — relata Filipe Vieira, presidente da Procons Brasil.
“O consumidor não tem informação suficiente. Compra pelo que vê e reclama daquilo que não viu. Há três riscos: não receber a indenização, ter que pagar mais do que o previsto e, se tudo der errado, a dificuldade de ter a quem reclamar”
Risco de não receber
Danilo Silveira, diretor utivo da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), lembra que a proteção veicular começou nos anos 1980 entre caminhoneiros, em Minas Gerais. De lá para cá, as associações não somente massificaram a atuação, como ampliaram o leque de ofertas para ramos como vida, previdência e residencial. E alerta:
Na proteção veicular, não há transferência de risco ou gestão de risco. É o próprio associado que assume sua proteção. Ele assina um contrato de responsabilidade mútua e divide o risco com os demais associados. Em caso de prejuízo, é feito um rateio entre todos.
Silveira acrescenta:
— Na prática, o pagamento de indenização dependerá do caixa da entidade, o que significa um futuro incerto. Além da mensalidade fixa, há um valor variável, destinado a cobrir as indenizações, se o caixa da associação não for suficiente.
Para Ricardo Morishita, especialista em Direito do Consumidor e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a questão em discussão é a falta de informação.
— O consumidor não tem informação suficiente. Compra pelo que vê e reclama daquilo que não viu. Há três riscos: não receber a indenização, ter que pagar mais do que o previsto e, se tudo der errado, a dificuldade de ter a quem reclamar. A mútua pode existir, mas com características muito definidas, tanto quanto o associativismo, como restrição geográfica. Ao vender massivamente, essas instituições descaracterizam ambos. O caminho é a regulação — diz.
A regulação também é o caminho defendido por Marcio Coriolano, presidente da CNseg:
— O que propomos não é que deixem de existir, mas que haja um regramento. A solução seria uma regulação como a feita para os planos de saúde, em 1998, que tem regras proporcionais. Para um plano de autogestão, por exemplo, a exigência é diferente daquela feita a grandes operadoras. Antes da lei, o setor de saúde sofria o mesmo problema — lembra o utivo.
Há vários projetos em tramitação no Congresso Nacional sobre a regulação do segmento. O mais adiantado é o PLP 519/2018. Para Raul Canal, presidente da AAAPV, que representa cerca de 300 associações, seriam necessários ajustes para que a lei atendesse as entidades do setor.
A agência ingressou como amicus curiae em todas as ações em curso na Justiça e diz estar conversando com a Susep e o MPF, em busca de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que defina regras claras.
Canal afirma que a AAAPV orienta que as associações sigam o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e restrinjam a atuação a pequenos grupos de pessoas. Ele ainda acrescenta:
—Se houver alguma indução ao erro, que leve o público a confundir a proteção veicular com o seguro, a divulgação é retirada do ar pelo nosso Tribunal de Ética.
Desregulamentar é opção
Igor Lourenço, diretor da Susep, diz que a agência reguladora atua em duas frentes: uma é a de repressão ao que o mercado denomina de “marginal”; a outra é a desregulamentação do setor, permitindo que as seguradoras lancem produtos mais baratos para concorrerem com esse mercado paralelo.
— A desregulamentação permite a oferta de produtos mais simples, mais baratos, atraindo pessoas que não poderiam adquirir o produto tradicional. Diminui o gap de preço em relação à proteção veicular. O importante é que as pessoas comuniquem à Susep quando tiverem problemas e verifiquem se estão negociando com uma seguradora sempre que tiverem dúvidas — ressalta Lourenço.
Entenda algumas diferenças
Pagamento:
O seguro tem um valor anual, que pode ser dividido em 12 meses, o chamado prêmio. Na proteção veicular, há uma parcela fixa e uma variável, que dependerá do caixa da associação para arcar com suas obrigações e exigir o rateio.
Indenização:
No seguro, a indenização é certa, e o prazo máximo para pagamento é determinado pela Susep. Na proteção veicular, não há garantia de recebimento do valor integral da indenização, pois depende do caixa da associação, podendo o pagamento ser parcelado.
Risco:
No caso do seguro, o risco é todo da empresa. Quando se fala em proteção veicular, o associado compartilha esse risco, ou seja, há um rateio de prejuízos.
Código de Defesa do Consumidor (CDC):
Algumas associações dizem que o CDC não se aplica à proteção veicular, o que especialistas contestam, pois a venda massificada descaracteriza o caráter associativista dessas instituições.
Fiscalização:
O setor de seguros é fiscalizado pela Susep. A proteção veicular não tem regulador, mas o setor tem uma agência de adesão voluntária. Para se associar, há regras, como cumprimento de código de ética e criação de fundo de reserva.
A quem reclamar:
Em caso de problema com uma seguradora ou uma associação que comercializa proteção veicular, deve-se fazer queixa à Susep e ao Procon. Há casos que vão parar na polícia e na Justiça.
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