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As Associações de Proteção Veicular (APVs) não são seguros, mas causam bastante dor de cabeça para o setor: elas exploram uma brecha na legislação para oferecer um serviço que se assemelha a um seguro, sem ser um: elas não são fiscalizadas pela Susep (Superintendência de Seguros Privados) e se baseiam no cooperativismo, que tem uma legislação própria. Quem “contrata” o serviço, na verdade, assina um contrato de responsabilidade mútua, vira um associado e passa a dividir o risco com os demais membros da associação.
A FenSeg (Federação Nacional de Seguros Gerais) estima existência de mais de 600 APVs pelo Brasil e que elas reúnam cerca de 4,5 milhões de associados atualmente — no mercado regulado, cerca de 30% da frota têm seguro (quase 20 milhões de veículos). Como a proteção veicular não é uma atividade regulada pela Susep, não há números oficiais sobre o setor.
A federação calculou, em 2019, que a perda fiscal direta do governo era de R$ 1,2 bilhão por ano apenas com impostos e tributação sobre o lucro e de até R$ 2,5 bilhões se considerados outros impactos, como impostos sobre sinistros, peças e fornecedores.
Em entrevista por e-mail, o presidente da Comissão de Seguro Auto da FenSeg (Federação Nacional de Seguros Gerais), Marcelo Sebastião, falou sobre o problema ao InfoMoney:
A proteção veicular é de fato ilegal ou se aproveita de brechas na legislação para operar legalmente?
Essa atividade, controlada por associações, cresce sem regulamentação ou fiscalização, explorando a brecha possibilitada pelo cooperativismo, que tem sua própria legislação.
Quais são os malefícios da proteção veicular para o cliente? E para as seguradoras e o setor de seguros como um todo?
Na verdade, não dá para nem afirmar que o consumidor da proteção veicular é de fato um cliente, pois à luz da legislação na qual atuam as Associações de Proteção Veicular (APVs), ele é um associado, apenas isso. Ou seja, proteção veicular não é seguro.
A começar pelo conceito básico que diferencia as duas atividades. O seguro é uma relação de consumo prevista no Código Civil e amparada pelo Código de Defesa do Consumidor. Ao contratar uma apólice emitida por seguradora legalmente habilitada e supervisionada pelo órgão regulador, a Susep, o segurado transfere o risco predeterminado na apólice. A empresa fica responsável pela indenização em caso de sinistro.
Só que no caso da proteção veicular não há relação de consumo. O associado assina um contrato de responsabilidade mútua e divide o risco com os demais membros da associação, que não é fiscalizada por nenhum órgão regulador. Em caso de prejuízo, é feito um rateio entre todos. Nessas circunstâncias, o pagamento da indenização depende do caixa da associação, o que significa um futuro incerto — e por vezes oneroso — para os associados, que não possuem garantias objetivas e regulamentadas.
Antes das seguradoras, e dos próprios consumidores, o maior prejudicado nisso tudo é o estado. Estima-se que as APVs (que já estão oferecendo outros tipos de proteção além do auto) reúnam atualmente cerca de 4,5 milhões de associados. Agora imagine o quanto de recursos vem sendo transferido sem qualquer regulamentação ou fiscalização.
De acordo com uma estimativa feita pela FenSeg em 2019, a perda fiscal direta para os cofres públicos é de aproximadamente R$ 1,2 bilhão por ano (despesas com tributos e tributação sobre o lucro). Considerando outros impactos estimados, como os impostos sobre sinistros, peças e fornecedores com a utilização de serviços, este valor pode chegar a R$ 2,5 bilhões ao ano.
Vale dizer que cada associação tem seu próprio estatuto, sem fiscalização de espécie alguma. Elas também são dispensadas de constituir reservas técnicas, o que compromete a sua capacidade de honrar os pagamentos de indenizações de qualquer natureza, além do compromisso com fornecedores e prestadores de serviços.
A FenSeg tem uma estimativa de quantos veículos possuem proteção veicular no Brasil? Qual é o tamanho desse mercado em relação ao mercado regulado de seguro auto?
A dificuldade de apurar o total de veículos que contratam a proteção veicular no país está diretamente relacionada ao fato de não haver regulamentação ou lei que ampare a atividade, acarretando a falta de transparência ou qualquer acompanhamento por órgão público, como aquele realizado pela Susep sobre as seguradoras.
Por que o mercado de seguro auto atende só a 30% da frota brasileira? O preço é um fator que contribui para o crescimento da proteção veicular?
Para essa questão não há uma única resposta. É uma situação multifatorial. Como sabemos, a falta de peças, somada à inflação e aos juros altos no Brasil, desaceleraram a indústria automobilística, afetando, por tabela, a contratação de seguros. Mas o risco que o consumidor corre ao trocar o seguro pela proteção veicular é bem maior, significa trocar o certo, transparente e amparado por lei, por algo duvidoso e nebuloso.
As APVs oferecem a falsa garantia de proteção para veículos, sugerindo tratar-se de um “seguro” mais barato. Só tem um detalhe: não é seguro. Então, se colocarmos na balança do custo-benefício, um seguro, com toda a proteção e garantia que proporciona, ao fim será sempre a opção mais barata, e que dará segurança e tranquilidade ao consumidor.
A Porto diz que, em pesquisas internas, tem crescido o número de pessoas que dizem ter seguro auto, mas na verdade são atendidas por proteção veicular (e que isso a preocupa). A proteção veicular tem realmente crescido no país? Vocês têm alguma estimativa deste crescimento e uma explicação do porquê de ele estar ocorrendo?
Com base em levantamentos realizados pela FenSeg, em 2019, a proteção veicular reunia aproximadamente mais de 600 APVs (Associações de Proteção Veicular) espalhadas pelo Brasil.
Quais atitudes – inclusive judiciais – têm sido tomadas pela FenSeg e pelas seguradoras para combater a proteção veicular?
Atualmente, as associações são alvo de inúmeras ações judiciais, provocando a quebra de confiança no mercado como um todo. É necessário que essas entidades se enquadrem em regras de solvência e formem reservas técnicas para seguir operando.
Em razão disso, a FenSeg defende a normatização da atividade como relação de consumo, no âmbito da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), com fiscalização permanente da Susep. Nesse sentido, a Federação tem investido em campanhas de esclarecimento junto à população. O Ministério Público, por seu lado, tem se mostrado cada vez mais atuante, investigando e entrando com ações na Justiça.
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