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Eventos climáticos relacionados ao aquecimento global movimentam cifras bilionárias e obrigam seguradoras a rever preços e coberturas
Em pelo menos cinco estados do Brasil – São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo – o último verão foi marcado por tragédias de grandes proporções provocadas por temporais, que deixaram para trás um rastro de destruição, centenas de mortes e milhares de desabrigados.
A cidade mais devastada, Petrópolis, na região serrana do Rio, ainda contava o prejuízo da maior tempestade de sua história, ocorrida em 15 de fevereiro e que deixou 233 mortos, quando novas chuvas torrenciais voltaram a castigar o município no fim de março. Segundo a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), essa segunda onda causou a perda de R$ 665 milhões no PIB da cidade. E o governo do estado estima que a reconstrução da cidade deve demorar dois anos e meio e demandar outros R$ 400 milhões.
As fortes chuvas foram causadas por uma conjunção de dois fenômenos meteorológicos. Um recorrente, chamado Zona de Convergência do Atlântico Sul, responsável pelas chuvas de verão, e outro de escala global, o La Niña, o anormal resfriamento das águas do oceano Pacífico que vem alterando os padrões de precipitação em todo o planeta.
Tendo o aquecimento global como pano de fundo, as catástrofes naturais estão ocupando o centro das preocupações das companhias de seguros em todo o mundo. O estudo “Allianz Risk Barometer”, divulgado recentemente pela Allianz Global Corporate & Specialty (AGCS), mostra que, no Brasil, as catástrofes naturais ocupam o segundo lugar no ranking de maiores riscos para as empresas brasileiras, perdendo apenas para incidentes cibernéticos.
Em termos globais, as catástrofes naturais estão em terceiro lugar no ranking, no qual a sexta colocação é ocupada por riscos inerentes às mudanças climáticas. Os últimos anos mostraram que a frequência e a gravidade dos eventos climáticos estão aumentando, indicando uma relação direta entre eles e o aquecimento global.
Ainda de acordo com o estudo da Allianz, em 2021, as perdas globais por catástrofes seguradas superaram os US$ 100 bilhões – foi o quarto ano mais “caro” já registrado. O furacão Ida nos Estados Unidos pode ter sido o evento mais caro, mas mais da metade das perdas vieram dos chamados perigos secundários, como inundações, chuvas fortes, tempestades, tornados e geadas – entre eles o sistema climático de baixa pressão Bernd, que desencadeou inundações na Alemanha, a tempestade Filomena na Espanha e ondas de calor e incêndios florestais no Canadá e na Califórnia.
De acordo com o “Global Risk Report 2022”, do Fórum Econômico Mundial, as mudanças climáticas são hoje a maior preocupação dos líderes globais. Além do temor com o clima extremo, há o medo de fracasso nas ações que governos, empresas e sociedade precisam tomar para evitar os piores cenários.
Para Angelo Colombo, CEO da Swiss Re Corporate Solutions para Brasil e América Latina, a mudança climática constitui uma das maiores ameaças globais de longo prazo. De acordo com dados do Swiss Re Institute, a América Latina é uma das regiões sujeitas a grande impacto. “É importante tomar medidas para mitigar os efeitos da mudança climática e evitar um ponto de inflexão irreversível”, afirma. “O seguro é fundamental para sustentar a cadeia de alguns setores – e vimos essa importância no agro do Brasil, que enfrentou uma das maiores geadas de todos os tempos e, na sequência, a seca.”
Desde que montou a primeira Operação Emergencial de Tratamento de Sinistros, em 2015, a Bradesco Seguros calcula que o montante de indenizações ultrapassa a cifra dos R$ 46 milhões. Desse valor, cerca de R$ 20 milhões são referentes apenas aos anos de 2020 e 2021. Os números demonstram que, a cada ano, casos extremos como tempestades e vendavais acontecem com mais frequência e severidade. “Os danos causados por tempestades estão cada vez mais frequentes e severos. Esse impacto é bem visível para o mercado segurador. Somente nos dois últimos anos, por exemplo, nossa empresa registrou mais de 4.200 chamados emergenciais para sinistros residenciais, empresariais e de equipamentos agrícolas”, afirma Ney Dias, diretor-presidente da Bradesco Seguros.
Com as fortes chuvas e vendavais registrados no mês de janeiro e início de fevereiro de 2022, em todo território nacional, a companhia recebeu cerca de 300 avisos de sinistros referentes a situações de alagamentos com automóveis. Quase 500 casas, condomínios e empresas foram danificados com os vendavais e acionaram a seguradora. Ao todo, somente neste início de ano, a Bradesco Seguros já soma mais de 750 chamados emergenciais em seus segmentos. “Infelizmente, eventos e desastres naturais como o de Petrópolis não são tão raros. Em 2011, as chuvas que atingiram a mesma região deixaram quase mil mortos”, comenta o presidente da HDI Seguros, Eduardo Dal Ri, lembrando que durante o ciclone-bomba que atingiu Santa Catarina em 2020 somente a sua seguradora indenizou cerca de 7 mil moradias e empresas. “Além da noção dos riscos e perdas, nossa preocupação gira em torno de proporcionar um atendimento primeiramente humanizado e com rapidez para que o dano seja contido.”
As seguradoras estão atentas ao cenário das mudanças climáticas, não apenas porque impacta as condições de seus produtos – preços, coberturas e assistências –, mas também para que possam ajudar seus clientes a adotar medidas de transição, tanto para prevenção de riscos como para atender as exigências de mercado para que as empresas contribuam para um planeta mais sustentável. “Nossa área de engenharia de riscos tem em seu escopo um serviço de mudanças climáticas para oferecer às empresas a avaliação de riscos relacionados a desastres naturais, inclusive considerando estimativas de aumento de frequência e severidade, de acordo com vários cenários possíveis para o futuro. Conta também com um mapa de alagamentos que utiliza nas análises de risco que faz para seus clientes”, diz Roberto Hernández, diretor utivo de seguros corporativos da Zurich no Brasil. “Estamos diante de um dos riscos mais complexos que temos de fazer frente. Os modelos de precificação têm informações sobre os impactos dos desastres naturais, mas as incertezas do que pode acontecer no futuro torna difícil contar com modelos exatos de dados.”
James Hodge, líder de energia e construção da consultoria WTW Brasil, avalia que a tendência do setor é para uma limitação nas coberturas de seguro ofertadas no mercado por conta de eventos como o de Petrópolis e outros que têm ocorrido ao redor do mundo. Em especial deve haver uma redução nas coberturas para esses eventos ou um aumento nas franquias. “Em um primeiro momento, há sempre uma retração de capacidade, mas nosso mercado é resiliente e se adapta facilmente. A tendência é que as seguradoras busquem carteiras mais equilibradas em relação à geografia e safras, diminuindo o impacto que um único evento catastrófico teria.” Para o especialista, as companhias devem explorar cada vez mais alternativas, seja por transferências de risco alternativas – como os seguros paramétricos –, seja por uma avaliação de risco analítica (“risk analytics”), ajudando o segurado a buscar a melhor forma de alocar ou transferir seu risco. “As seguradoras devem criar critérios de precificação que levem em conta o histórico de comprometimento do cliente no gerenciamento dos riscos de sustentabilidade, além de sua capacidade e disposição de mitigar tais riscos”, sugere Alfredo Chaia, especialista em gestão de riscos da International Risk Veritas.
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