Revista Cobertura
Por Voltaire Marensi, coordenador da área de Direito Securitário do Franco Advogados e da Cátedra de Direto dos Seguros da ANSP
A discussão sobre a aplicação das regras de indenização securitária pode causar dúvidas, especialmente entre os segurados. Uma das questões emblemáticas se dá quando o consumidor eventualmente está sob o efeito de álcool e, logo, como o estado de embriaguez pode ser causa ou não excludente de indenização securitária. No final de 2018, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou, por unanimidade, duas importantes súmulas sobre o tema. A mais importante, de número 620, afirma que “a embriaguez do segurado não exime a seguradora da indenização prevista em contrato de seguro de vida”.
O recurso que deu azo a edição deste novo enunciado foi oriundo do Recurso Especial 1.665.701-RS. Ressalta-se que nos embargos de declaração deste processo, consta que, no contrato de seguro de automóvel, o estabelecimento de cláusula que exclua a cobertura securitária para acidade de trânsito, o chamado sinistro, é lícita se a causa é advinda da embriaguez do segurado. Portanto, considera-se que o segurado, uma vez alcoolizado, assumiu um risco ao tomar a direção do veículo, o que configura agravamento essencial do risco contratado que afasta a indenização securitária.
No objetivo de afastar a causa daquele precedente, o relator do caso, Ricardo Villas Bôas Cueva proferiu entendimento com base nos arts. 3º, § 2º, e 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. O eminente ministro entendeu que a obrigação da seguradora em pagar o capital segurado ao beneficiário não poderia ser afastada “apesar da segurada ter falecido em razão do grave acidente de trânsito, decorrente de seu estado de embriaguez”.
Sobre a decisão, cabe o registro de que o código de seguros da França, por exemplo, não faz qualquer distinção quanto à modalidade de seguro, quer de automóvel, quer de seguro de vida para reputar não válida a cláusula que exclui a garantia do segurado na hipótese de condenação por conduzir em estado de embriaguez, sob estado alcoólico ou de substância entorpecente. Em ligeira síntese, o simples diagnóstico do álcool no organismo do segurado não pode continuar sendo justificativa para a negativa de pagamento da indenização.
Se não existe prática intencional do ato e nexo de causalidade entre a ingestão da substância torpe e o evento que ocasionou o sinistro, não se faz presente a negativa da indenização securitária. Na União Europeia, por exemplo, existem seguradoras que estipulam cláusulas específicas de exclusão por embriaguez, desde que sejam encontrados índices de graduação alcoólica de 0, 5 a 0,8 decigramas por litro de sangue da pessoa do condutor. Qualquer modalidade de contravenção ou, talvez, ato culposo contra a legalidade, mas, sim, levantar situações ou casuísticas que possam ser melhor refletidas e cuidadas. Notadamente quando estamos à frente no Senado da República de uma eventual possibilidade de ser aprovado o PLC 29/17, que cuida de disciplinar uma nova roupagem ao nosso contrato de seguro.
O tema, sem dúvida, envolve o viés agravamento, ou exclusão de risco e quer de acordo com o CDC, quer em sintonia com o moderno direito securitário cuidam-se de “riscos excluídos e interesses não indenizáveis que devem ser descritos no contrato de seguro de forma clara e inequívoca”, conforme versa o PLC 29/2017. Assim, o Contrato de Seguro, seja conhecido e, de consequência, debatido exaustivamente por todos os que preconizam e aguardam a cada dia um maior aprimoramento de nossas instituições jurídicas. Isso, sem a quebra de princípios básicos e fundamentais que arrosta ao longo dos séculos um contrato-tipo, vale dizer de adesão, assim denominado na feliz criação do saudoso professor Orlando Gomes.
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